segunda-feira, 15 de novembro de 2010

CRÍTICA: 'Afinal, o que querem as mulheres?'

O espectador mais acostumado a assistir a uma série de TV apoiando-se só na literalidade do texto, no enredo que é narrado, talvez crie a impossível expectativa de ver respondida a pergunta que dá título à nova série de Luiz Fernando Carvalho, que estreou na Globo: “Afinal, o que querem as mulheres?”

Preso à letra do texto, talvez chegue à conclusão de que se para Freud a mulher é um continente obscuro e inexplorado, o mesmo vale para André Newman, o protagonista, interpretado por Michel Melamed. Em sua busca por desvendar o universo feminino para uma tese de doutorado, ele parece acreditar que o êxito importa bem menos que os percalços da procura: esquece a própria amada, Lívia (Paola Oliveira), acaba abandonado por ela e, no caminho, esbarra em clichês como “a mulher quer ser desejada”, “elas causam fascínio e medo”, “são seres humanos carregados de eletricidade feminina”. Não falta nem a cena em que Lívia se mostra incapaz de escolher um entre vários pacotinhos de chicletes oferecidos pelo pretendente.

Esse espectador acreditará, equivocadamente, que a lição do texto de João Paulo Cuenca, Cecília Giannetti, Melamed e Carvalho é a de que homens e mulheres são mundos irremediavelmente apartados e falam línguas diferentes — há até uma personagem russa, Tatiana (Bruna Linzmeyer). Só que “Afinal, o que querem as mulheres?” não é uma série sobre a mulher, mas sobre o universo da psicanálise. E, para isso, explora muito bem a linguagem do sonho, que Freud estudou tão profundamente. Daí aqueles diálogos esparsos: sua função é atribuir um certo nexo a um delicioso delírio visual. É como os sonhos mais intensos, mais significativos: sonhados, despertam mil emoções; narrados, perdem a força.

A nova empreitada do diretor impacta pela sucessão de sequências com inspiração hiper-realista, pela dança, pelos figurinos e pela cenografia. É como se a livre associação de ideias praticada na psicanálise encontrasse um caminho não verbal, mas igualmente rico. Como nos sonhos. O resultado é uma viagem onírica, um poema visual que mistura realidades, cheio de referências a tempos passados, ao que foi vivido, ao que está na memória. Elementos de cena, como a máquina de escrever, o gravador de rolo e as várias cortinas colaboram para construir essa atmosfera. A trilha também. A música preferida do personagem central, por exemplo: “I was feeling kind of seasick” (“We skipped the light fandango/Turned cartwheels from the floor”).

Melamed está muito bem, passando facilmente de uma realidade à outra. Eliane Giardini, Osmar Prado e Dan Stulbach vão no mesmo tom, personagens de sonho: às vezes indiferentes a acontecimentos absurdos, como se fossem normais, às vezes inquietos diante de coisas triviais. Paola Oliveira está meio dissonante, talvez presa ao que imagina que se espera de uma atriz numa novela. Mas, conduzida pelo diretor, na estreia estrelou uma linda cena de dança. Vera Fischer teve o momento mais obviamente edipiano, contracenando com o menino Newman e sua luneta. Não comprometeu.

Vamos ver o que vem pela frente, mas “Afinal, o que querem as mulheres?” parece estar à altura de “Hoje é dia de Maria”, melhor criação de Carvalho na TV, produção realmente fundadora de uma linguagem e até hoje lembrada por isso. Com certeza, está à frente de “Capitu”, que fez uma leitura equivocada de um clássico de Machado de Assis.

Ao fim do primeiro capítulo (serão seis), uma única pergunta encontra uma resposta óbvia: o que quer Luiz Fernando Carvalho ao passear por estilos e linguagens tão diferentes do que usualmente é visto na televisão? Quer experimentar, testar fronteiras, apresentar novidades. É sempre bem-vindo.

Por : Patrícia Kogut

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